
Já faz algum tempo que o bloquinho de anotações me acompanhava sob o braço nas saídas diárias à rua em busca de uma boa história para contar. Tempos que jamais saírão da memória.
Pois esta semana, justamente esta semana que antecede o carnaval, pude reviver uma experiência que me proporcionou extremo prazer. Tive o prazer de entrevistar dona Ivone Lara, diante da qual me curvo por tudo aquilo que sua genialidade e sensibilidade puderam proporcionar para a valorização da nossa música. A festa só não foi completa, porque o bate-papo foi por telefone e não pessoalmente, com uma garrafa de cerveja apoiada sobre um engradado de garrafas.
Reproduzo aqui um trecho da entrevista dada pela diva do mundo do samba, extraído do site do Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (COREN).
Dona Ivone Lara: a enfermeira do samba
Quando trabalhava como enfermeira e, depois, como assistente social do Instituto Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro, Dona Ivone Lara costumava percorrer as enfermarias e pavilhões em busca das histórias, referências e laços familiares dos pacientes. Era uma rotina, que além de dar-lhe satisfação, fazia parte do tratamento terapêutico. Entre uma busca e outra, Dona Ivone descobriu Ribamar, um paciente que recebia os cuidados da jovem enfermeira por estar com a saúde debilitada, mas que ainda assim guardava em sua mente confusa, as lembranças da época em que animava os salões do Rio como músico da Orquestra Tabajara.
A música, ou melhor, o samba, sempre esteve associado de uma forma ou de outra a esta senhora de 87 anos – ela completa 88 anos no dia 13 de abril -, nascida no subúrbio do Rio e que se tornou a diva do samba e uma das maiores representantes da história do Império Serrano, sua escola de coração. Na década de 40, Dona Ivone compunha seus sambas quase que clandestinamente, para fugir do preconceito reinante à época. Ela recorda dos tempos em que corria de um emprego para outro para garantir o seu sustento.
- Na minha época de enfermeira eu trabalhava 24/48 horas e corria para a Maternidade de Cascadura para complementar o salário -, diz a sambista, que prestou concurso público para o Ministério da Saúde em 1942, antes de ingressar na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, onde atuou como enfermeira e, depois, como assistente social por 38 anos.
Quando o assunto é carnaval, a diva do samba afirma que passará os quatro dias de folia reclusa em casa, no subúrbio de Oswaldo Cruz, assistindo aos desfiles das escolas de samba pela tv.
- Já estou com 87 anos. Desfilo desde 1947. A última vez que desfilei pelo Império foi há quatro anos, na ala das baianas. Senti muito cansaço – recorda a autora do samba “Os cinco bailes da corte” juntamente com o não menos importante Silas de Oliveira.
Sobre o carnaval dos dias de hoje, dona Ivone não hesita em criticar as regravações de sambas enredo que caíram nas graças do público em anos anteriores. Ela lembra que os seus filhos costumavam tirar boas notas na escola “de tanto ouvirem os sambas que contavam a história da Família Real no Brasil”, relembra.
- Está faltando criatividade. Antigamente, você recebia a sinopse do enredo, fazia o samba e contava tudo com melodia. Hoje em dia quase não tem melodia - diagnostica com sabedoria a diva da escola do Morro da Serrinha, em Madureira, demonstrando a segurança típica de quem fora privilegiada com um dom concedido a poucos.